terça-feira, 27 de julho de 2010

Da Felicidade...

Não, a sério, a felicidade, esse estado difuso resultante da impossível convergência de paralelas de uma digestão sem azia com o egoísmo satisfeito e sem remorsos, continua a parecer-me, a mim, que pertenço à dolorosa classe dos inquietos tristes, eternamente à espera de uma explosão ou de um milagre, qualquer coisa de tão abstracto e estranho como a inocência, a justiça, a honra, conceitos grandiloquentes, profundos e afinal vazios que a família, a escola, a catequese e o Estado me haviam solenemente impingido para melhor me domarem, para extinguirem, se assim me posso exprimir, no ovo, os meus desejos de protesto e de revolta. O que os outros exigem de nós,entende, é que não os ponhamos em causa, não sacudamos as suas vidas miniaturais calefetadas contra o desespero e a esperança, não quebremos os seus aquários de peixes surdos a flutuarem na água limosa do dia-a-dia, aclarada de viés pela lâmpada sonolenta do que chamamos virtude e que consiste apenas, se observada de perto, na ausência morna de ambições.



In "Os Cus de Judas" de António Lobo Antunes

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